terça-feira, dezembro 04, 2012

Roer


A minha avó foi educada assim, a aguentar tudo, até a fome. Fome de alimento, fome de vida, fome de alma….  E, mesmo assim exigiu o divórcio, tinha mais de seis décadas de vida.
O machismo existe. Ponto. E toda a gente fala dele. E qualquer mulher em qualquer lugar do mundo já o sentiu. Na pele, na alma, nas entranhas.
Existe, porque tem que existir…. Faz parte, dizem todos.
Existe, porque efectivamente nós mulheres deixamos a coisa andar porque temos mais que fazer à vida, e somos fortes, e aguentamos tudo.
Nós mulheres, não temos que aguentar tudo, temos sim, que aguentar apenas o que queremos aguentar.
Nós mulheres, com éme daqueles grandes, daqueles émes de tomates até ao chão, podemos aguentar muita coisa, mas não o machismo.
Aquele machismo estúpido, arrogante, iletrado… completamente ignorante de todas as leis cívicas.
Porque fomos aclimatadas a que o homem se sente no topo da mesa, porque fomos costumadas, a que o homem desse a última palavra, porque fomos habituadas a que os homens violentassem as mulheres, e nós caladas. Na dor. Porque sim! Porque parece mal dizer aos seres humanos do nosso metro quadrado, que fomos violentadas. Humilhadas. E às vezes, existem as mulheres que têm coragem, e assumem. ‘Fui violentada’. Consequência do metro quadrado, o abandono.
E depois é um ciclo, uma bola de neve. E calam-se. Com medo. Daquele medo que nenhum vocábulo ocidental nem oriental sabe transmitir. Que nenhuma lágrima sabe espelhar. Porque é uma dor muito nossa. Que rói e rói. E mesmo depois de tudo ruido, torna a roer.
A minha avó pediu o divórcio tinha se calhar perto de sete décadas.

E foi aí. Que passou a roer. A vida.