sexta-feira, setembro 14, 2012

Yasmim



E levemente… sem que ninguém desse por isso… Yasmim tirou o lenço para a minha câmara.

Yasmim, tinha um lenço na cabeça, vestido até ao chão. Estava sentado sob um tear, de seda.
A Yasmim é nova, muito nova. Mas já com um filho e marido. O pai e o marido o deixaram-na estudar, trabalha naquela fábrica de tapetes há tempo suficiente para se ter esquecido de como era a sua vida, antes disso
 

Na Turquia, como em quase todos os povos muçulmanos, as mulheres são vistas assim. Como tapetes. Servem para tudo, mas essencialmente servem para limpar os pés dos seus maridos, dos seus irmãos, dos seus pais. A Yasmim tinha um olhar doce, resignado pelo seu destino. Disse-me para me sentar ali com ela, e enquanto ela fazia o tapete e falava sobre tudo o que nunca poderia ter, eu pensava de como nós somos tão egoístas. Tão egoístas ao ponto de nos lastimarmo-nos com tretas. A Yasmim não sabe por exemplo o que é isto que eu estou a fazer, sentada nesta esplanada à beira do mar, em pleno Setembro sem ninguém, só com um gin tónico, uma câmara fotográfica e este bloco de notas. A Yasmim não sabe, porque lá na aldeia do interior da Turquia não se vê o mar, as mulheres não podem beber e nem sequer entrar num café. Porque na porta alguém escreveu em papel pardo “Proibida a entrada a mulheres.” E o café tem janelas grandes, e são eles lá dentro a beber, a fumar e as mulheres em casa a servirem de tapetes.

 A Yasmim aprendeu às escondidas do marido e do irmão, a falar Inglês. E quando eu lhe conto ‘coisas’ do mundo ocidental , a Yasmim dá uma gargalhada.
Foi numa dessas gargalhadas que a nossa conversa teve que acabar, a Yasmim riu tão alto que veio a sua cunhada, ralhou-me por lhe estar a contar coisas do Ocidente. E para não arranjar problemas à Yiasmim tive que abandonar o tear de seda.

 Permitem-me que lhes conte uma dessas gargalhadas. Yasmim perguntou-me a idade, os seus olhos fizeram um olhar de espanto, perguntou-me como é que o meu marido e filhos me deixavam andar num país estrangeiro sozinha. Expliquei-lhe que não tinha marido nem filhos. Deixou o tear, pousou a sua mão no meu ombro, e disse-me ‘Olha Estranha, é muito triste eu dizer-te isto, mas tu aqui na Turquia nunca vais arranjar marido.’ Ao que lhe respondi, ‘Deixa lá Yiasmim, não é só na Turquia, em Portugal também não arranjo, já estou habituada.’
Gargalhamos as duas. Foi das melhores gargalhadas além fronteiras que eu partilhei. E foi tão bonita e genuína que ainda hoje a recordo com um sorriso.

Lembro-me muitas vezes da Yasmim, um dia gostava de recebe-la aqui no Ocidente, com a mesma alegria que fui recebida lá no Oriente. De partilhar este oceano e esta esplanada. Eu sei que a Yasmim tem liberdade interior. Mas também sei que chora todos os dias… é que os tapetes da yasmim cheiram a sal. E ela nunca viu o mar.