quarta-feira, julho 17, 2013

Hannah




Não gosto de me guiar por mapas.
Nem por agendas. Nem ponteiros. Tic tac’s só no miocárdio.
Também não gosto de gestos previamente ensaiados. Arquitectados.
Gosto de impulsos.
Do imprevisto. O que eu gosto do imprevisto. Junto com impulsos.... Gosto tanto.
Foi num desses impulsos do imprevisto, ou ao contrário também dá, que conheci Hannah.
Senhora de um quê de dissemelhante. Sentada num banco de madeira, lia o jornal sobe os graus negativos que se faziam sentir. Retina grande. Antiga actriz de teatro dos anos 60.
Nos sapatos de sola fina, a imagem da maschera nobile. Curiosos aqueles sapatos. Como curioso era tudo em Hannah.
Chamou-me para dentro da sua loja. Trajes e mais trajes do outro século e ainda do outro. Parecia que estava dentro duma máquina do tempo. Sublime, verdadeiramente sublime aquela loja no meio daquele beco perdido com aquela senhora de conversa agradável.
Conversamos sobre a Grécia antiga, sobre filosofia e também sobre sentimentos.
Curiosa esta vida de pessoas qua ainda vão tendo a coragem de serem diferentes, de terem aquele charme tão eloquente do que é intenso e bonito.
Hannah conhece Lisboa, e o que mais gostou foi da ladra, que se diz feira. E da vista. E do Tejo. E do mar.
Combinamos a ausência de informática para a troca de partilha do clicar. Este segue por carta, assim como uma concha, deste mar que é tão nosso.
Hannah foi de um enorme prazer conversar contigo e partilhar um pouco da minha estranheza.
E é por isto e por outras tantas coisas, que uma pessoa mesmo que viaje sozinha, nunca está sozinha. Existem pessoas fantásticas em cada esquina.
À nossa espera.
No imprevisto.
E eu gosto tanto disso.
Improvisa

[Na ardósia | https://www.facebook.com/numarua | uma citação de Rumi, filósofo preferido de Hannah | Amesterdão ]

quinta-feira, julho 11, 2013

Pisca Pisca


De vez em quando, há que dizer: Que se f*da. Ou para os mais tímidos que se lixe.
Que se lixe, dá liberdade.
A liberdade. Insanidade.

E às vezes. Tão meticulosamente. Às vezes. É o que basta.

Insanidade. Bem ou mal, tudo o que vale realmente a pena. Tem aquele doce e salgado toque de insanidade. Há quem chame de sensualidade, atreve-te. E pisca o olho à vida ;)


Ou já morreste?

segunda-feira, julho 08, 2013

Eleições


Já era de noite em São João dos Angolares, na costa leste da ilha de São Tomé, distrito de Caué.
Noite cerrada, quase sem lusco-fusco. Eu vinha do lado da capital, Cristopher do interior, da mata, esteve todo o dia a fotografar insectos, e nem se apercebeu que naquele domingo tinha sido as eleições. Mas sobre Cristopher, filósofo Holandês, partilho noutra altura.
As eleições em África é qualquer coisa de não descritível. É ir lá. E ver. Os cidadãos são premiados com dinheiro... ou até motos, pelo voto. E quando vão votar levam um carimbo na mão, para que os apoiantes dos partidos saibam que aquela pessoa já votou e assim fazerem o que têm a fazer das piores maneiras.
É impressionante o quanto o iletrismo, é um factor importante para estes políticos, já dizia não sei quem, que o pior inimigo de um político é a sabedoria do povo. Fora da capital reina o iletrismo e todas as más consequências deste.
À medida que fui descendo aquela canada cor da terra que só África sabe ter… várias crianças vieram ao meu encontro, só queriam um abraço, um colo. É. Só queriam um colo. Passei o centro da vila com onze crianças. Uma em cada dedo da minha mão, e ainda uma outra agarrada à minha cintura. É provavelmente uma das melhores imagens e sentimentos que tenho das minhas viagens, e também, das minhas memórias. Porque são daqueles sentimentos que não se descrevem. Não há adjectivos. Léxico que chegue. Sente-se. E pronto. E basta.
Quando paramos na praça, um homem dos seus trinta anos, encostou uma arma à minha cintura e diz: “Só passas desta praça com vida, porque estás com as nossas crianças. Uma branca, sozinha aqui em dia de eleições. Ou não sabes o que se passa, ou estás a armar-te em valente.”
Eu sabia exactamente o que se passava. Mas arrisquei. Confesso, quando senti o cano da arma na cintura, tremi. Suei. Mas sorri e só disse. Estou na paz, só vim dar uns quantos abraços às crianças. Ele retirou a arma da minha cintura, colocou-a em cima do ombro e disse, tens uma hora para sair daqui. E eu tive mais um dia. Quem me deu almoço no dia seguinte? A família desse homem. A vida tem coisas fantásticas. Não tem?

[ No clicar, algumas das onze crianças]



segunda-feira, julho 01, 2013

Disse

Aproxima-te.

Foi o que ele disse. Encostado ao armário de madeira. Pernas cruzadas, o corpo virado para leste. Dizia que era como as corujas. Sempre pousadas para Leste. Onde há iluminação. E sim, disse ele. E lá ao fundo da sala. No canto leste. Aquele canto, o mesmo que tantos silêncios já ouviu. Partilhados. Fundos.

Aproxima-te.
E ela na poltrona. Encostada ao manto vermelho. Ligas pretas, o corpo virado para Norte. Dizia que era como as serpentes. De nortadas. Ousadas. Onde há talvez a escuridão. E sim, disse ela. E lá do outro lado da sala. Do canto Norte. Aquele canto, o mesmo que tantos gemidos já ouviu. Partilhados. Fundos.

Eu disse, aproxima-te. Não ouviste?
Cruzou os braços. Acendeu um cigarro. Tirou os olhos do chão, olhou a poltrona. E ela de costas. No vermelho. Do pecado. O corpo apenas com aquelas ligas pretas.

Entre luz de Outono. Da janela do canto sul. Fim de tarde. De dourados.

Aproxima-te.
Disse ela. Descruzando as pernas. Aliviando a liga.
Tocava um piano. Lá fora. Tinha cauda. Sem músico. De pautas.

Tocou-lhe na face.
E não se aproximou. Disse ele.
Com ela.