domingo, abril 29, 2012

Na vida é imperativo duas coisas, ser e estar. E que estas sejam perpendiculares quando tem que ser. E paralelas quando a realidade assim o exige. Depois disso todos os dias são pulmões. Porque conseguimos estar. E mais que isso. Ser.

segunda-feira, abril 16, 2012

Manel

Hoje. Na Rua da Alfândega. Ali para os lados de Alfama. O Manel. Chamemos-lhe assim. Transportava uma mala com rosas. Ofereceu-me uma rosa.
Não aceitei, porque eram de plástico. E eu ainda não morri.
Aceitei antes o sorriso. Sentou-se ao meu lado no banco de jardim.
O Manel é sem abrigo.
Daqueles com uma longa barba, com as mãos sujas de sangue. E o casaco até ao chão.

Hoje na capital estava sol. Daquele sol meio tímido mas que vai até à epiderme.
Aquela funda. Porque a vida quer-se assim.
Funda. Nua. E. Crua.
O Manel tem uns sessenta e qualquer coisa anos.

Falava com precisão, utilizava um vocabulário cirúrgico.
Esteve a trabalhar na Alemanha. A filha que é engenheira usou todos os seus euros em obras mal resolvidas. E o Manel que trabalha com o coração, ficou com o miocárdio em ruínas.
A meio do diálogo, colocou a mão no peito e disse...


"Sabes Filipa, o problema de Portugal é a ausência de diálogo. Isto que estamos aqui a fazer, eu raramento o posso fazer. As pessoas já não conversam. E não é porque sou sem abrigo. Simplesmente as pessoas já não conversam. Andam de um lado para o outro, encontram centenas de pessoas no seu caminho... e não param para converar.
As pessoas são mal amadas. Não é a crise que afecta este Portugal. É o amor.
EU estou na rua. Todos os dias. Todas as noites. E observo. Estes casais de agora. já não passeiam. Já não riem juntos. Nem dançam. Nem cantam. Nem partilham a refeição. Nem jogam às cartas. O amor da minha vida morreu aos 44 anos. De cancro no útero. Desde aí perdi o rumo, porque perdi o amor.
E agora quando vejo estes casais, penso que perdi tudo muito cedo, mas arrisquei. Agora já ninguém arrisca. Porque arriscar o coração não é para todos."


... Levantou-se. Sacudiu o casaco. Deixou o saco com as rosas. Talvez como urna, para aqueles tais casais que já não arriscam. Nem dançam. Nem jogam às cartas.

Obrigada Manel. Foi uma agradável conversa. Daquelas que ficam.