domingo, janeiro 24, 2010

Moribunda


Se eu pudesse um dia chorar todas as mágoas que eu sinto.
E habitar em mim, um qualquer universo ainda por descobrir.
Ai se eu pudesse num dia, mover a madrugada em ternura.
E aí espantar, qualquer vestígio de medos e melancolias.
E escutar baixinho, mas mesmo muito baixinho, o teu ressonar.
E aquele bater de dentes que tu dizes que existe,
entre o dormir e o adormecer.
Destacaria qualquer passo.
Qualquer olhar. Gesto. Semblante. Quadro.
Tela. Pincel. Sensualidade.
E arrancava tudo.
Sem hesitações. Dúvidas.
E o mais agradável de tudo isto.
Era eu sentir-me moribunda.
De mim mesma.
Ao sentir uma qualquer esmola tua.
Como se de um tesouro se tratasse.
Se eu pudesse um dia chorar, todas as indiferenças que sinto.
Criaria o Atlântico.
E detinha todas as palavras do dicionário lusófono, como minhas.
Mas, sou pobre. Inculta. E incapaz de suster em mim.
A ausência do teu espanto.

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Agulhas


Um destes dias, quer dizer… para ser sincera … foi hoje.
Eram umas seis e qualquer coisa da tarde.
[Eu sei que as cidadãs envolvidas são leitoras aqui do estamine, caso fiquem ofendidas com tais palavras, só têm dois trabalhos: ficarem ofendidas e deixarem de ficar]… continuando..
Hoje ao entardecer e para desanuviar a porra do trabalho, peguei num colar que estava perdido numa das gavetas da sala de professores, coloquei o dito colar a andei por ali de colar ao peito.
Nada de anormal. Não fosse eu menina que não usa colares, nem saltos de alto e afins.
Claro está, que as minhas ilustres colegas insistem na ideia, que um cérebro de uma mulher está na roupagem, adereços, perfumes e outras coisas tais. Pela sua ordem de ideias, aqui a ‘je’ é uma besta quadrada, com um cérebro de galinha. Pois sapatilhas, calças de ganga, mochilas e cabelo penteado com os dedos, nunca deram cérebro a ninguém.
Ora as ditas senhoras ficaram em êxtase, verem-me ali de colar foi altamente orgástico, finalmente eu era inteligente – usava um adereço dignamente feminino, a porra de um colar. Urra.
Ao fundo da sala ouvia-se: “Estranha pessoa esta, tu chegas lá… amanhã já vens de salto alto, e aí sim!”
Espectacular. Sensacional. Formidável. Estupendo.
Três anos naquela escola, a trabalhar que nem uma mula, e afinal de contas o meu reconhecimento profissional foi vinculado por um colar.
[Agora que me ponho a pensar no colar, é do restaurante chinês que fica do outro lado da rua. Ao almoço, pela altura do Natal, ofereciam um colar. Amarelo, enorme, cheio de brilhantes. Os crepes são bons, o vinho da casa é manhoso, e o empregado de mesa não sabe fazer trocos. Tirando isso, até se passa lá um bom bocado.]
Passado uma meia hora do desfile e orgasmo cerebral em que estava o meu cérebro, resolvi ler em voz alta um poema de um dos alunos (concurso de poemas que está a decorrer )… numa das estrofes lia-se qualquer coisa como: “ E nós embebidos em prazer, pousamos as línguas e bebemos as salivas…”
Do fundo da sala, ouvi: “ai que nojo, prazer… salivas… “.
Espectacular. Muito bom. Soberbo. Uma mulher para ser mulher, tem de usar colares que parecem adereços da árvore de natal, utilizar sapatos de agulha que fodem os pés todos (e ainda por cima tenho uma unha encravada, para ser franca são duas), tomar banho em perfumes mete nojo da loja de conveniência da esquina, estar de meia em meia hora a pentear-se, lambuzar a cara toda com tintas que não lembram nem ao menino Jesus.

MAS, SALIVA? PRAZER? Ahhhhhhh isso não!
Isso lá é coisa de mulheres?
Amanhã tenho que ir ás compras. É que com tanta informação que recebi hoje acerca da minha condição feminina, não vá eu olhar para o espelho e ter alguma dúvida sobre a minha sexualidade.

(Era para acabar este textozinho com um ‘Puta que as pariu’, mas acho melhor não o fazer… pois, não é próprio de uma senhora…)

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Cócegas

Viver todos os dias sem ti fatiga-me.
Mói-me. Enerva-me as entranhas.
Fico com os pulmões a modo que pequeninos.
Custa-me o oxigénio.
E este ar roto em cima dos meus ombros.
Quando passeares por aquelas ruas de gelos perdidos,

de cheiros doces e gestos salgados.
Lembra-te de mim. De cócegas na Alma.
Roubaste-me tudo. As artérias. Os gemidos. Os gestos. Meneios.
Acenos.
Expressões tresloucadas, aquelas que me roubaste.
E depois. Depois vem isto. Este espreguiçar de saudades.
De sufoco. De asfixia.
Proibiste-me.
E eu que não sou de leis.
Perdi-me.
Quando novamente num qualquer entusiasmo deres por mim.
Não digas nada. Prende-me.
Sem épocas. Tempos. Prazos.
Medos. Receios.
Sossega-me.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Mais com Menos

[Partilho convosco um e-mail que enviei ontem.
Caso obtenha alguma resposta, esta será divulgada aqui no Pernas eeheeh]

Exmo. Sr. Director Geral dos Hipermercados Modelo


Poderia iniciar esta carta com um pedido de desculpas em relação à ousadia de lhe escrever sobre o tema abaixo exposto.
É. Realmente poderia começar este meu texto por aí. Mas, sinto que não o deva fazer, porque isso revelaria que estaria a ser cínica e um pouco prepotente.
Passemos então ao que me leva a redigir estas linhas.
Hoje vi e ouvi um anúncio publicitário dos Hipermercados Modelo… entre outras frases, dizia qualquer coisa como (não cito, pois não me recordo exactamente das palavras)
“ Vá ao Modelo… (…) é matemático. Mais com menos dá sempre menos. Ir ao Modelo é matemático”.
E repetia esta frase duas ou três vezes.
Ora eu fiquei a modos que irritada, pois uma das minhas batalhas diárias é exactamente tentar que os meus ‘amores’ (discentes) sintam e percebam que efectivamente essa frase é um erro.
Vejamos, considere os seguintes exemplos: -5+10= 5 (dá mais) , 10-20= -10 (dá menos).
Na adição e subtracção sinais diferentes, diminui-se e dá-se o sinal do maior valor absoluto. Ou seja, tanto pode dar ‘mais’ como pode dar ‘menos’.
Na multiplicação e na divisão… aí sim, mais com menos dá efectivamente menos, mas no contexto do anúncio a aritmética é relacionada com a adição e subtracção, logo o anúncio induz a população a erro.
Eu sei que você tem mais que fazer, e que simplesmente este meu e-mail vai ser alvo da chamada ‘chacota’. Mas, diga lá que por vezes a ousadia não tem uma certa piada?
E tal como dizia um certo filósofo que não me recordo agora o nome… “(…)um pensamento sem crítica, não passa de mera subordinação.” …
E eu cá não gosto nada disso… de subordinações.
Espero que tenha um resto de uma boa semana, e que a crise económica não afecte o seu estabelecimento comercial… pois por vezes, ‘mais’ com ‘menos’ pode ser ‘mais’, e espero que seja esse o caso.

Atenciosamente,
Estranha pessoa esta