quarta-feira, agosto 11, 2010

Homens sem tomates


Às vezes existem viúvas-alegres, desmazeladas de ancas caídas e sobrolhos insípidos.
Às vezes há casais enfadonhos, risos contidos de mãos soltas.
Às vezes de pijamas caídos, mamilos esquecidos.
Destinos escolhidos.
Pior ainda. Do medo de estarem sozinhos.
Às vezes.
Tantas vezes é assim.
Fazem-se funerais sem corpos. Buracos sem terra. Jazigos sem portas.
E ainda o padre está no baptizado, e já se ouvem choros de velórios.
Vão-se embora com medo das lágrimas, dos soluços, do risco da retina.
Vão-se embora ainda com borbulhas por nascer. Barba por crescer. Patilhas por cortar.
Existem homens assim.
Que nascem do ventre da mãe, e que nunca chegam a ganhar os tomates do pai.
Às vezes existem mulheres católicas. Que se ajoelham por gente. Que nunca chegam a seres humanos.
Um dia destes vim de um funeral assim.
De um falso artesão da vida.
A cadeira era dura. O banco de madeira. E o meu desassossego de vento.
Fechei a porta da igreja. Correntes de ar da vida.
Porque de mortes fundamentalistas está a Barca de Gil Vicente cheia.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Purgas


Quero que se fodam os apeadeiros.
E as demais consequências industriais.
Quero que se fodam as estações.
E tudo o que vier de bilhete na mão.
Quero que se foda o paralelo.
E o perpendicular.
E o amarelo e o vermelho.
Quero que se fodam muito bem fodidas as ripas de Pitágoras.
E os teoremas de Fermat.
Quero que se fodam os limites, as metas, os provérbios
e as delongas provincianas.
E as mágoas essas que ficam no fundo dos tachos
e ainda os fornos estão a quente.
Quero que se foda as circunstâncias do passado
e os afazeres do futuro.
E aquela gente normal, de risos normais, de vestimentas normais,
de pingas normais, de passos inacabados, de lágrimas doces.
Quero que se foda o doce.
Nunca vi prazer nenhum ser doce, porra!
A vida é salgada. É pimenta. É alecrim, rosmaninho piripiri.
Que se foda os supostos. Os iguais. As demandas.
Que se foda o tudo no nada.
Porque eu cá quero é o nado no tudo.
Foda-se!
Arre para a conservação do outro,
e da outra e do vizinho que não veio jantar.
Prezados seres estes que mandam foder o normal.
É mar. É oceano.
Atlântico. Índico.
Que se foda o Pacífico.
As Américas e as Europas paranormais.
Que se foda os saltos altos. O asfalto. Os andares de rés do chão.
Ah que merda esta que está no meu quintal.
Que se foda a poda que não foi feita.
A erva que cresceu. A terra que não se amanhou.
Acendo-me.
Sou ridícula.
Que se foda se me fodo.
Ao menos… fodi-me.
Porra.
Que se foda!
Foda-se.

terça-feira, agosto 03, 2010

oh homem...


As sensações que dizeis que não tomam a sério,
São aquelas que de mais sérias nós temos.
De silêncios entre vídeos de salivas não tragadas.
Andas a boiar. Andas.
Colocaste o passado do teu lado esquerdo
Assiduamente dizes bom dia.
Convence-te que são de boas noites que todos queremos
Às vezes o coração entra em decadência moral
De juízos de valores estandardizados
As sensações não se regem de faces pálidas
De peixes amórficos. De garrafas entulhadas numa qualquer varanda.
Os sentimentos, esses são como os gargalos.
De beiços em bico. Sedentos. De gargantas.
Chamas-me vadia. Não me importo.
Porque se vadia é engolir tudo até ao fim, e lamber os lábios até ao puro filamento.

Então sim, sou vadia.
O meu copo está pousado na janela. Não pedi gelo.
Traz o lume. Ou se preferires, a ponta do cigarro.