quarta-feira, outubro 17, 2012

Cais do Sodré


Manda a vida à merda. Como se manda no teatro. Manda a vida à merda, como quem corre desenfreadamente pela rua à procura de uma qualquer taberna aberta para arreares daquilo que estás à rasca. Manda realmente a vida à merda. De joelhos serrados contra a parede de um qualquer cais do Sodré. Mas é que manda mesmo. A vida. À real merda. Antes que ela te mande a ti.

Bate a porta. Estende o tapete. Deita-te nele e a seguir levanta-te. Olha-a nos olhos, essa puta que finamente se diz prostituta. A vida. Encara. Vá, porra. Não ouviste. Encara-a. Puxa-a por um braço, encosta-a contra a parede e manda-a à merda.

E a seguir até podes morrer. Mas deixa-te de ‘paneleirices’, e estendidelas no sofá. Levanta-te e renasce. Ou nasce. Ou inventa-te. E a seguir, bebe uma cachaça se preferires. Bate com o copo. No balcão, na calçada quero lá saber. Desde que a mandes à merda. Mas manda.

A valer. Não vale meias medidas, contidas. Tímidas espreguiçadelas. Quem tem medo compra um cão. E quem não tem manda a vida à merda.

Porque só depois disso. Dessa real gana orgástica, se pode viver. Até lá caga. Mas caga bem. Na morte do insípido. Dos quase tudo e assins assins.

Que raio é isso do assim assim?

Ou é ou não é, agora cá merdas.

quinta-feira, outubro 11, 2012

Des|alinhamentos

Secou a terra num ano, minto. Foram em dois.
Ou três. Não interessa.
Por necessidade. Por maldade. Por sei lá o quê.
Não me perguntes a mim, que apenas estou a contar.
Pergunta antes a ele. Se o encontrares.
Matou-se.
Ouviste? Ouviram?
Foi a corda a estalar.
Inutilmente a instalar.
Infantilidades. Sólidas. Facilidades.
Exigentes, estes afectos?
Não senhores.
Meticulosos os gestos, porque simples é o coração.
Beija a alma, o saber abraça.
Como quem baila ao domingo que foi feriado.
Folgado de ambições. Paixões. Tudo acabado. Em ões.
Ironia os embriões de sentimentos. É? Ou não é?
Se calhar não é.
Mas eu apenas estou a contar. Se ‘o’ vires, virem, pergunta, perguntem a ele.
Ontem não era assim. Hoje, madrugada já é.
Porque estala. Estala a corda neste tecto de venetas barrentas, ensanguentadas, asfixiadas de mecanismos.
Roldanas baratas.
A alma quer-se cara e de fuças lavadas.
A alma quer-se assim sem tectos, lares, amparos de rendas fáceis.
Empresta-me o teu sorriso, disse ele.
Banco de juros altos, empréstimos de valores acrescentados.
Prefiro o internamento.
Depois. Atrevi-me. Atrevo-me a tudo.
Não foram topologias. Pois não existiam vizinhanças.
Quando se remexe o estômago prepara-se a próxima refeição.
Mas quando se remexe as vísceras todas, de parede a parede, a raspar cada grelha, brecha, greta, racha, prepara-se a asma.
Porque quem morre respira. Quem vive é asmático.
Profundamente asmático de si mesmo.
Não falo de gentes, sim de heterónimos. Os nossos.
Esgotos. Mas são veias, como se entrássemos dentro de cada uma delas, nus de tudo.
De sensações,impressões e tocássemos com as costas da mão nesses tabiques. De mergulho. Sem palmas. Mas sem arrancar nada. Passar só. Sem fazer comichão.
Sem desesperos. Melancolias.
Sem nos habituarmo-nos a nada. Porque queremos logo tudo.
E chega-se lá acima. À serenidade.
Mas cansa. Esta serenidade, não cansa?
Não que não cansa, ah pois cansa.
Desconforme o teu o teu bombordo, alinhas o meu bombordo. E fica-se pelo cais.
É essa a serenidade, que cansa.
O alinhamento cansa. Fatiga. Morre-se. É. Pode-se morrer no alinhamento, sabiam?
Mais que nas trincheiras.
Não sou mulher de guerras civilizadas.
Gosto mais de garras, de anarquias sem votos.
Vetos de criaturas sistematicamente alinhadas… cansam-me.
Resta a dureza.
Esta que ficou entre o lençol e o cobertor.
Durmo nua.
Chove. E. Descalcei-me.