sábado, dezembro 19, 2009

Clemência[s]


Doentes.
São [ás vezes] assim os sonhos.
Doentes.
Completamente indispostos de nós mesmos.
Nos sonhos tudo é lícito.
Tolerado.
Consentido.
Nas utopias não, mas nos sonhos sim.
Porque os sonhos são assim.
Inteiramente. Doentes.
Afectados por febres avassaladoras.
Dores. Rígidas. Imponentes da Alma.
Pegam em cada fibra, músculo das entranhas.
Colam-se ás células sem piedade.
O cérebro pede clemência.
O coração antibiótico.
E eles. Os sonhos. Ficam assim.
Colados à Alma. Acorrentados.
De penas perpétuas.
Doente. Ando. Doente.
De tanto sonhar.
[ás vezes]. Cabalmente.
Sem rigores.
Doente.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Agente Funerário lamenta morte de Estranha Pessoa Esta


Um dia destes, li isto:
"A arte de viver consiste em conseguir que até os agentes funerários lamentem a tua morte."
Não lamento informar que é mesmo isso que pretendo fazer.
Para todas as pessoas que pretendem comprar-me flores, eu ainda não morri.
Para todas as pessoas que gastam energias a tentar sufocar-me com tábuas sem pregos, eu ainda não morri.
Para todas as pessoas que afirmam diariamente que é loucura o que faço, eu ainda não morri.
Para todas as pessoas que insistem e insistem em tentar que o meu coração tenha um sentido que não o meu, eu ainda não morri.
Vivam a porra da vossa vida, e deixem-me respirar a minha.
Porque eu ainda não morri.
E para todos os agentes funerários o que tenho a dizer, é simples, quero ser cremada.
Por isso ide-vos meter na puta da vossa vida, e deixem-me ser o xulo da minha.
Obrigado.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Guerra [Ci]vil



Há dias na puta da vida
Em que nós pensamos raios parta ao chulo
E depois há outros dias em que sentimos
Raios parta aos clientes
E ainda outros em que simplesmente emergimos
Um foda-se.
Grunhido.
Como esta desvairada desta lua que teima em estar sobre o meu telhado.
E estas telhas incertas sem nada falarem.
E o bilhete em cima da mesa.
E é redonda.
A mesa.
E.
A Lua cheia.
Foda-se.
Manifestem-se.
Nem que seja à civil.
Há guerra.
Os soldados estão em marcha.
E os decretos prontos a assinarem.
Ó telhas incertas vis que me sustentam o pulmão.
Compreendem que tenho dois.
E a minha mesa é quadrada.
Grunho!
....
Ouviram?

segunda-feira, novembro 30, 2009

Embrião


Quando falamos dos nossos medos.
Entenda-se: A, outras pessoas.
Estas têm a brava, quase, ofensiva mania.
De compararem os nossos medos a memórias fracas.
E um tanto ou quanto, constrangidas.
Quando falamos dos nossos medos.
Entenda-se: A, outras pessoas.
O que nós não queremos ouvir, são cachimónias. Sagacidades.
Penetrações de castelos intelectuais.
É que a bem da verdade. Já nos chegam os nossos.
E se falamos é porque a angustia já é tão grande,
Que se torna asmática. Irracional. Quase. Insensata.
As recordações.
Quando falamos dos nossos medos.
A nossa Alma toda a forma [quase] física de um embrião enrolado no útero.
Em que os joelhos tocam o queixo.
E os pés ficam assim sem meias, frágeis a qualquer vidro no chão.
Quando falamos dos nossos medos.
Entenda-se, a nós mesmos.
O que nós queremos é parir.
Parir-nos a nós mesmos.
Arre.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Pescoço


Era verão. Era noite. E estava frio.
Falava o medo por entre a engrenagem do motor.
Ela estava no banco de trás.
Como o medo.
Ele na frente. Como o silêncio.
Entre o medo e o silêncio. Coabita o atrevimento.
Reflexos de gestos. Palavras. Entrelinhas. Respirares. Agonias.
Entre o receio. E. O Sossego.
Vive o arrojo. Arregaçado. Sem escrúpulos.
De impulsos inconscientes.
Entre o medo. E. O Silêncio.
Vivo eu ás vezes. Esticada. Em protesto. Agoniada.
Dependente de vómitos. Agonizantes do desejo.
Absurdo?
Absurdo é o amor sem loucura. Disse ele.
Enquanto ela esticada. Amedrontada sob a cama.
Sentia aquele gesto de dedos no pescoço.
E num respirar. Fundo. Descaíram os ombros.
E ficaram assim. Sem piedade.
Apressa-te, dizem os dias.
Excomungados pela saudade.
E já é inverno. É madrugada. E está calor.
Inconscientemente. Levo a mão aos lábios.
E atrevo-me. No banco de trás.

domingo, novembro 22, 2009

Clave de Sol


Fosse o bater catastrófico da minha aorta
compassada pela melodia algo semibreve do meu cérebro,
e eu diria que o que eu sinto são rugidos.
Como aqueles, quando os seios ficam arrepiados.
E as veias ritmadas.
És maestro. Diz o miolo ao miocárdio.
Com a nota de afinação em Sol Maior.

sexta-feira, novembro 06, 2009

Doce da Casa

Existem detalhes incontornavelmente insaciáveis.
[...]
Como aquele detalhe final
da folha de alface
a cair em passos lentos
com todas as gotas sobre o chão.
[...]
E tu a molhares os lábios.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Trigonometria



Não fosse a tangente
ser o quociente
entre o comprimento do lado oposto
e o comprimento do lado adjacente,
e eu dir-te-ia
como anda a minha hipotenusa.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Metade de Vida



Existem duas espécies de esperas.
Mas apenas.
E apenas uma.
Espera de espécie.
..
Há quem lhe chame de carácter.

sexta-feira, outubro 23, 2009

{ }


E quando se morre, devagar. Devagarinho.

A Existência.

E se vive.

Depressa. Depressinha.

O Desejo.

Isso é o quê?

terça-feira, outubro 20, 2009

Arreganhada


Dizem que é o prevenido.
De mãos atadas pelo hábito.
Pelos costumes frios, cautelosos, completamente desgraçados de maquilhagens.
Maquilhagens idiotas. Néscias.
Arreganhadas pelo adulterado. Desleal.
‘Velhaquices’. É o que é.
Desmazelo contínuo da sensibilidade.
Afectividade, desleixada propositadamente.
E continua assim, sociedade viril.
Sem minerais, granitos, pedras.
Nem um grânulo de amostra.
São só tábuas. Rasas. Frenéticas de risos fechados.
Mostrem os dentes, PORRA!

domingo, outubro 11, 2009

Por Ali Adentro. A. Valsar.


Gosto das cores.
Dos amarelos. Dos encarnados.
Gosto dos tons.
Do céu. De noite. De dia.
Gosto da magia de um por do sol de Outono.
Daqueles com uma leve brisa, que nem é quente e nem é frio.
E ficasse assim. Encostados a uma árvore.
A sentir toda aquela melodia. Sinfonia.
Todos aqueles pormenores verdadeiramente comoventes.
Gosto de tocar nas árvores. De sentir cada veia.
Cada ramo. Cada gota de orvalho.
E deslizar a minha mão pela Natureza a fora.
E depois. Depois perder os sentidos por ali adentro.
E depois vem a folha. A descer por ali a fora.
E dança ao som do ‘pregão’ do vendedor de castanhas.
Que é rural e urbano.
E tudo ao mesmo tempo.
E aquela árvore no fim da rua.
Com dois ramos abertos.
Como um maestro. Da enorme orquestra.
É saxofone amarelo. É clarinete castanho. É trompete vermelha.
E lá vem ela a dançar. Melodiosamente. A valsar.
E chega ao chão já no Tango.
Suspensa no ar.
Como um espelho de alma. Despida. Nua.
Resgatada. Crua. Por tudo aquilo.
É o Outono a cantar. Elegante. Único. Sublime.
Estranhos pormenores.
Que nos atraem. Que nos premiam. Seduzem. Por ali abaixo.
Por inteiro.
Neste Outono.
Cheira a terra molhada.
Vai sonhando Amor. Que eu também vou.

domingo, outubro 04, 2009

Perfeito Encaixe

E quando acordares. Lembra-te de Van Gogh.
E de certas anomalias.
Como sendo sentidas estranhamente sem banalidades.
E quando adormeceres. Escuta-te por entre os meus dedos.
E lembra-te de Vivaldi. E de todas as Estações.
Porque a Lua pode ser Arte. Uma Pedra o Mundo.
E certos sentires, passos de dança, por entre pedaços de madeira.

terça-feira, setembro 29, 2009

Joel



Hoje sentados num banco. No ‘recreio’.
Chamemos-lhe Joel.
Sentou-se. E brincava com as pedras de cascalho. Sempre com os olhos no chão.
- Estás triste Joel?
[Largo silêncio]
- Stora… a vida é muito curta.
- Não digas isso, então tu tens ainda tantos dias para viver...
- Sim eu sei, tenho quinze anos. Faço dezasseis em Outubro. Dia vinte e cinco. E este ano ‘calha’ a um domingo.
- Então e tu, com essa idade, porquê é que dizes com essa tristeza que a vida é curta?
- Porque as pessoas não são verdadeiras para com o seu interior, nem para os outros.
[Silêncio]
- Sim, tens razão… mas não te podes deixar ir abaixo, Durante toda a tua vida, vais sempre encontrar pessoas que não são verdadeiras. Mas isso ajuda-nos a crescer e a construirmo-nos enquanto seres humanos. Não podes é deixar de sonhar por causa disso. Nem deixares nunca de ser verdadeiro para contigo e para com os outros.
- Mas Stora, eu não quero aturar com essas pessoas toda a vida……
- Nem eu Joel. Nem eu. E muitas vezes também fico muito triste com isso. Mas tento sempre sonhar e sorrir. Olha Joel, tu tens sonhos? Qual é o teu maior sonho?
- O maior dos maiores de todos os maiores?
- Sim! O maior de todos! Qual é o teu?
- O meu maior sonho de todos os sonhos não tem nada a ver com dinheiro. O meu sonho é ser guarda-florestal.
- Para estares em comunhão com a Natureza, e sentires tudo o que é verdadeiro?
- Sim! Para sentir os passarinhos, e o verde, e a vida. Porque a vida sem coisas verdadeiras é uma vida muito curta.
- Tens razão Joel, muito curta mesmo. Por isso é que os sonhos são grandes, imensos e azuis e verdes. Como os teus. Para que vidas como a minha, façam sentido, por existirem pessoas como tu.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Silêncio



Esborrata-me os sentidos do prazer.
Contenta-me o espírito.
Inala saliva. Pudor. Timidez.
Imagina-te sentado.
Entre pernas. No colo.
Revela-te.
Revela-me.
Aloja todos os pedaços, retalhos, apontamentos.
Que ficaram por dizer.
Di-los agora.
Sussurra-os. Grita. Murmura.
Ao meu ouvido.
Olho no olho.
Pele com pele.
Agarra-me.
No silêncio. Sem distâncias.
Escreve na minha pele a saudade.
Dita nos lábios o desejo.
Sem pressas.
Que seja madrugada. Mesmo sendo de manhã.
De pedras, janelas, paredes, cantos esquecidos.
Loucura, dizem as palavras?
Silêncio.
.
E.
.
Olho para ti.
.
.
Revela-me
.

terça-feira, setembro 22, 2009

'When in the course of human events...'



Experimentamos certezas.
Cavamos as incertezas.
E salivamos.
Salivamos pela garra.
De fantasias. Alucinadas.
Gememos de ânsia.
E os dedos que se abarquem em suor.
Prova de cada gota.
Uma por uma.
A escorrer pelo pescoço abaixo.
Alimento desenfreado.
Atrevido.
Desejo libertino este,
Que se instalou entre a pele e os ossos.
E os estalos cada vez maiores.
Emancipam-se os desejos.
Anarquia total de gemidos.
E já vai pele, agarrada ás unhas.
E os dedos encharcados de retalhos de alma.
Universos. Que já não são paralelos.
Perpendiculares suculentas.
De ti. De mim. De nós.
Extraviam-se os medos.
Os passados. Daqueles dias.
É madrugada. Chove nos lençóis.
Até amanhã.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Endoida-se


É preciso endoidecer para amanhar os sentidos.
A sociedade assim o exige.
Não concede outra forma de esborratar os impossíveis.
As irregularidades. Dizem.
Designs de odores que não se querem livres.
E para isso oculta-se tudo. Até as vontades.
E passam-se assim os dias.
Abafados. Humilhados.
Porque dizem confortavelmente sentados no sofá da razão, que a vida se quer cinzenta.
Sem rasgos de loucuras, de vermelhos. A escorrer pelas paredes abaixo.
Indecentes espasmos de prazer, que só a demência sabe ter.
Desatam-se os neurónios dos seus afazeres previamente fabricados.
Desfragmentam-se utopias. E aí. Endoida-se de vez.
E mandamos todos os engravatados se enforcarem no seu próprio nó.
Exige-se o impossível. Porque o possível não é demente.
Não é louco. Não é cego. Não saboreia. Não tem sal.
Prefiro a loucura.
….. a não amanhar os meus sentidos.

Desvias?

terça-feira, setembro 15, 2009

Botão


Há paredes que não devem ser pintadas.
Fica o tijolo e o cimento.
Tudo em bruto.
Como a Alma que ficou lá atrás.
E o medo a colocar a perna sobre o receio.
Aconchegando-lhe um quê. Aquele quê. Sem porquês.
Não existem estradas ridículas.
Existem sim desvios que eram prescindíveis.
Mas necessários.
Como mentol dentro de chocolate.
E doce de pêra na ponta da língua.

domingo, setembro 13, 2009

Prazeres Saudáveis



Existem pontos.
E depois existem os i’s.
E depois há as madrugadas.
Aquelas.
Em que metemos os pontos nos i’s.
E ficamos assim.
Sôfregos.
Insaciáveis.
Completamente desejosos de mais grafias.
Ortografias.
De uma folha em branco.
Sem linhas. Apenas por desenhar.
Tantos pontos. E ainda mais i’s.
Os desejos podem ser saudáveis.
É. Podem.
Mas são de um carácter profundamente insatisfeito.

Rebentou-me o cérebro.
.
Tu dizes que não existem pecados.
Eu sussurro que .... Nem semáforos para os prazeres.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Almofada[s]


É distracção.
Recriminação absurda da racionalização.
Malandros os desejos.
Palermas os instintos.
Ferve-se a perturbação.
Dos antebraços.
Pasmados.
Hóspedes dos anseios.
Fosse compreender a tua senilidade.
Aquela que se diz de saudade desequilibrada, aflitiva, desgraçada cheia de graça.
E isto a que chamam de medos, seriam restos.
De tudo o que se tem ainda por sentir.
Diz a almofada para o lençol.

segunda-feira, setembro 07, 2009

15 graus


Lá em cima onde eu só moro ás vezes, cheira a alecrim.
Quando se sobe a quinze graus tem um eucalipto.
Suspenso no ar. Com um ar tão frágil.
Como frágeis são os sonhos.
Fantasias. Quimeras.
Sempre me lembro daquele eucalipto.
Acho que cresceu comigo.
E com os meus sonhos.
E tempestades.
E ele sempre ali.
Suspenso.
Como que interrompido pelo tempo.
Pelas horas. Entardeceres.
Pelos azuis daquele céu de terra molhada.
Ás vezes parece que está a chorar.
Pelo horizonte. E lá ao longe o Oceano.
Como que um agarrar de cintura.
Na floresta.
E eu fico ali a olhá-lo.
Como se cada folha fosse um pensamento.
E os ramos, veias de um tronco que de tão franzino se torna forte.
Porque sonhar é dos fortes.
Porque podemos perder um pensamento.
Mas um sonho… esse não se pode perder.
Agarra-se à terra. Com as raízes ali entranhadas.
Que de tão penetradas chega a doer.
Infiltradas.
E ele ali suspenso.
Ás vezes calado.
E quando à tarde, mas mesmo à tardinha, sopra o vento.
Ele murmura palavras.
Porque as palavras são assim. Palavras.
E as palavras são tão importantes como as pedras.
Têm vida. Sangue. Sentimento.
Como aquele eucalipto.
Lá em cima. Onde tantas vezes eu habito.
Suspenso no ar.
E se olharmos com atenção… ás vezes o ramo direito toca o horizonte.
Porque sonhar é dos fortes.
Como fortes são as árvores. A terra está molhada.
E se sentirmos à tardinha, ainda vemos os beijos.
Ali. Bem ali. Onde a Serra nem acaba nem começa.
Apenas ali. Suspensos.

sábado, setembro 05, 2009

Alfarrabistas


Há pessoas que deveriam vir com prefácios.
Em vez de índices desenganados.
E completamente dissuadidos.
Há pessoas que nem sequer deveriam ser livro.
Porque existem livros que influenciam toda uma biblioteca.
E bibliotecas que nem sequer deveriam ser bibliotecas.
Felizes dos analfabetos.
Que se soubessem destas bibliotecas vomitariam sílabas sem letras.
E vocábulos sem ajuntamentos.
Soubesse eu o que é uma dieta de pensamentos e fosse analfabeta.
E não sentiria isto a que chamam de desalento.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Baunilha... [porque há certas lágrimas assim]


Há voltas que a vida dá.
Que parecem meia volta.
De metade de uma esfera sem diâmetro.
E valem por uma volta inteira,
Que de meia vida nada têm.
E parece que arrancam o coração do peito,
E o sangue a escorrer para o soalho de cascalho,
Perdido de veias,
Entre a multidão.
...
E ele respondeu:
"Isso dos 30.... aos 30 perdi eu tudo,
tive de começar a minha vida de novo,
e aqui ando, ainda a recuperar.
Só tenho livros, umas velas, umas plantas.....e tu."

terça-feira, setembro 01, 2009

Alma Adentro


Se a minha Alma fosse por aí adentro.
Desalmadamente por aí adentro.
Sem paragens de mercúrios.
Sem sentidos de pensamentos.
Ai se ela fosse por aí adentro.
Sem traços de passados.
E medos de futuros.
E pousasse assim.
Devagar no soalho da tua mão.
De palmas em concha.
Com cheiros de amoras.
Ai se ela fosse. Assim. Por aí adentro.
Frágil com alicerces de veias.
Desalmadamente por aí adentro.
Fugaz. Vermelha. Viva.
Aos saltos por aí adentro.
Absorvida pelo desejo.
De te encontrar entre os meus dedos.
E assim. Só assim.
Sossegar a pele.
Ai se ela fosse.
Desalmadamente tua.

Por aí adentro.

segunda-feira, agosto 31, 2009

God is in the details


Há gestos meticulosos.
Que de tão minuciosos parecem obsessivos.
Como que um registar de momento.
Único.
Mas que de tão bonito, trememos a mão.
E o clicar sai assim, tremido.
Vacilado. Oscilado.
Como se o nosso tremer não fosse certo.
Como se o momento não fosse bonito.
Como se o próprio registo não ficasse exposto.
Fecho a cara e sinto.
Atenta.
De olhos fechados.
Porque há gestos que só são sentidos de olhos fechados.
Porque abertos parecem outra coisa.
Que talvez seja por não ser território.
De chegadas. Partidas. Caminhos.
Medos.
E. Credos.
Sobretudo credos.
Sem coros, harpas, flautas.
Violas e guitarras.
E lá fora o deserto.
Árido. Seco. Estéril.
De olhos abertos.
Repararam?
Tentem fechar os olhos.
Assim. Devagar.
Agora. Tremam.

Ando com frio.
E entre as pestanas.
O. Medo.

quinta-feira, agosto 27, 2009

ahhhhhhhh foda-se


Quietude?
Descanso?
Que se foda o sossego.
As estradas de alcatrão.
E os cães do quintal.
Que se foda o fácil.
O que dá jeito.
E o banal.
Que se fodam os casacos.
O que pesa.
Os ombros.
Que se fodam os vestidos.
As montras.
As pinturas.
Que se fodam os políticos.
As campanhas.
Patranhas.
Que se fodam quem não se fode.
Quem não se ri.
De si.
Desbocadamente.
Quietude?
Descanso?
Quero é tempero.
Sal.
Picante. Coentros. Alecrim.
Nos assados e afins.
Quero é provar provar provar
E beber água no fim
De tanto piripiri que se faz sentir.
Quietude?
Descanso?
Não sei fazer renda.
E a minha mesa não tem cadeiras.
Mas, que se foda!

quarta-feira, agosto 26, 2009

´Tese[s]


Há quem diga que todas as questões existencialistas são respondidas pela Metafísica.
Por uma certa simbiose intelectual… mas que me perdoem os filósofos, por vezes algo a puxar.. para, o digamos… arrogante.
É forte a palavra? Que seja.
Mas há teses que me esvaziam completamente o organismo.
Não é tanto pela tese.
É mais pelo organismo.
É que fico cá com uma azia a certos discursos fundamentalistas.
…..
Pensando melhor esta azia deve ser dos tremoços.
Faltava-lhes sal.

segunda-feira, agosto 24, 2009

Contorno[s] de 'inlucidez'


Contorno os meus dedos pela tela da memória.
Na eventualidade de numa qualquer madrugada,
aparecer a tua mão sob a minha cintura.
E assim esgueirar-me por todas as fragmentações do meu caos.
Alimenta-me.

sábado, agosto 22, 2009

Agonia[s]


E esta gente que anda de um lado para o outro.
Que se faz falar de assento.
E ás vezes até de acentos.
E esta gente que vê os outros.
Que se faz dizer pela boca.
E nunca pela garganta.
É como um teste de álcool.
Se sopramos pela boca, pouco ou nada acusa.
Agora se o ar vier directamente da profundeza da garganta.

Acusa tudo.
Tudo e mais alguma coisa que viesse.
Mas eles respiram pela boca.
E não se calam.
E esta gente que não se cala.
Que não se entende. Que não se entende.
Não vêm a destreza de uma Alma.
Que ‘insanamente’ tenta levar o dia.
E depois vem a noite.
E a madrugada.
Ai a madrugada essa.
Que nunca acaba.
E eles passam na rua.
São só sossegos.
Sossegos e mais sossegos.
E não se calam com o raio dos sossegos.
Sabem lá o que é agonia a percorrer as veias.
Cada centímetro de células. Chega ao núcleo e volta para trás.
E percorre todo o organismo outra vez.
Chega a entravar cada osso das mãos até estalar.
Não sabem? Então calem-se.
Calem-se porra!
E não me façam repetir.
Farta. Fartinha. Fartíssima de vos ouvir.
Com coerências. Equilíbrios. Desmentidos. Aliados de preconceitos.
Calem-se de uma vez.
Ou então enforquem-se na vossa lucidez.
Quero lá saber.
Enforquem-se de uma vez.
Agora não me fodam é o juízo.
Porque esse já o enforquei de vez.

quarta-feira, agosto 19, 2009

Oriente


São onze e tal da noite.
Está uma noite calma.
Silenciosa.
Tremendamente calada.
Muda.
Assim estou eu, muda.
Taciturna.
São onze e tal da noite.
Não se vê a Lua.
Não sei por ela anda.
Talvez ande por aí.
Por terras do Oriente.
Dizem que Oriente é sinónimo de início.
De Aurora.
De Alvorada.
De pimenta. De especiarias.
Condimento.
De tempero.
De puro. Tempero.
Algo apaladado.
Não no sentido extremo da palavra.
Mas sim, das sílabas.
Como que o paladar de cada letra. De cada som.
Cheiro. Aroma.
Tomasse configuração.
Como se fosse Terra.
Molhada.
É quase como que um pisar de relva húmida.
Mas descalça.
Sente-se cada gota do fólio.
Como se de suor a escorrer pelo pescoço se tratasse.
É um género de canela.
Em estado bruto.
São onze e tal da noite.
Já quase meia noite.
Está uma noite calma.
Silenciosa.
Tremendamente calada.
Muda.
Falta-me o gemido.

domingo, agosto 16, 2009

Ginja


Esta ausência da tua pele.
Arrasa-me com os nervos.
Anseio a tua saliva.
Pelas glândulas de todas as minhas entranhas.
É.
Existem encontros saborosos.
Depois existem os outros.
Completamente apetitosos.
É como beber ginja.
Podemos saboreá-la num copo de plástico.
Ou, por outra.
Num delicioso copo de chocolate.
No fim até se lambe os dedos.
A gana.
Com a língua toda.
Irreversivelmente.
Eriças-me.

sábado, agosto 15, 2009

Fome


Depois de saborear um pensamento.
O sentimento tornar-se Asma.
A realidade envolvente demasiado pequena.
E o desejo insaciável.
Tu falas em azul claro.
Eu murmuro cores daltónicas.
Como aquele nascer do sol.
Vermelho forte a estibordo.
Neblina a bombordo.
Depois de saborear um pensamento.
O sentimento torna-se verdadeiramente asmático.
E a fome incontrolavelmente sequiosa.
Escuta. Diz o silêncio.
É o dia a chegar.

terça-feira, agosto 11, 2009

Solidó


Havia semanas que era ao Domingo.
E outras que era ao Sábado.
Eu gostava mais ao Sábado.
Sempre me pareceu que o Sábado é maior que o Domingo.
O Domingo faz-me sentir o fim de algo.
Mas. Sim.
Gostava mais ao sábado.
Era no meio da calçada.
No Bairro da Ajuda. Como quem sobe do lado direito.
O passeio era de uma calçada mais escura.
Endurecida.
Gasta.
Pelas décadas.
Ficava na esquina a ver os eléctricos.
O som dos eléctricos sempre me acalmou.
E ficava ali de olhos fechados. Imaginava outros tempos. Outros olhares.
Os coches a golpe de cavalo.
Calçada acima. Calçada abaixo.
E de vez a vez vinha aquele cheiro do Tejo do princípio da rua.
E dos pinheiros lá de cima de Monsanto.
Eram pinheiros mansos. Como manso era o meu sentir de esquina.
Havia uma qualquer brisa histórica naquela rua de calçada escura.
Trazia sons, cheiros, passos, sorrisos, lágrimas de séculos.
Às vezes na esquina tocavam uma concertina.
E cantavam o solidó.
Um dia destes gostava de cantar o solidó.
Disso. E de rimar certos verbos.
Porque os adjectivos esses são como as esquinas.
E nunca como os Domingos.
E de vez a vez vinha aquele cheiro do Tejo.
E dos pinheiros lá de cima de Monsanto.
Eram pinheiros mansos. Como manso nunca mais foi o meu sentir.


[Estranha pessoa esta.
Agora, quase seis da manhã. Cruzamento do Charco.
Porque sempre me apeteceu escrever de madrugada nestes semáforos.
Foi hoje. ]

quinta-feira, agosto 06, 2009

Bico da Vela



Quando choro, a lágrima desce pelas curvas do meu peito.
Como que um latejar de veias. Da minha face na tua.
Como aquela vez em que as pedras tomaram um sentido.
O Nosso Sentido.
E até a Penha do Meio-Dia se encaixou no Bico da Vela.

domingo, agosto 02, 2009

Nevoeiro



Há realidades incontornáveis.
E outras, há incontroláveis.
Depois…
Depois existem aquelas de sufoco.
Que são incontroláveis e irremediavelmente incontornáveis.
Ao mesmo tempo.
Como que uma tempestade. Que vem tudo.
É vento. Trovoada. Chuva. E que chuva.
Como as marés vivas.
A areia não pode as contornar, e muito menos as controlar.
Vão lá, desgastam as rochas, lapidam o areal.
E passado, umas madrugadas vão embora.
Como as luas.
Sem quarto crescente.
E ficam os pescadores de mãos vazias.
Porque as marés valem só por si.
E as gotas da chuva que batem no mar ficam ali.
Gravadas.
Numa qualquer badalada do sino da aldeia.
São cinco horas.
Ouviste?
Está nevoeiro.
E eu choro.

terça-feira, julho 28, 2009

Encaixe


Ás vezes.
Mas, só ás vezes.
E poucas.
Vezes.
Os sentimentos são como as bailarinas.
Em bicos de pés.

domingo, julho 12, 2009

Carta aberta aos meus amores...



Nunca gostei de despedidas. Acho que ninguém gosta.
E esta despedida dói.
E dói a valer.
Aperta-me o coração todo, e deixo soltar sal pela retina.
Daquele sal fino. Que sente tudo.
Sinto demasiadamente a saudade.
Gosto muito de vocês.
E gosto com o coração todo.
Porque não há outra maneira de gostar, senão com o coração todo.
Aprendi muito com cada um de vocês.
Essencialmente aprendi a ser mais pessoa.
A ser mais sorriso.
Um muito obrigado a cada um de vocês. Vocês valem muito a pena.
Foi de um enorme prazer fazer parte do vosso metro quadrado.
Sejam sempre fiéis a vós próprios. Lutem pelos vossos objectivos, pelos vossos sonhos, pelas vossas marés. E essencialmente, lutem por aquilo que acreditam.
E nessa luta nunca se esqueçam de sorrir, e de sentir, que efectivamente, vocês valem muito a pena.
Abram as asas. E voem.
Mas, voem bem. E que o vosso voo seja aquilo que vocês quiserem.

Eu cá vou estando por aí, a torcer por cada um dos vossos voos.

É uma vida ... a gostar de vocês. De cada um de vocês. Meus grandes totós.

Um abraço grande,
Vanda.

segunda-feira, julho 06, 2009

Cafoné

Mensurável desregramento.
Entusiasma-me esta Lua.
Que nem é cheia, nem é vazia.
É um quase tudo.
E é esse quase que me delicia.
Que me confunde os sentidos.
Desarranja-me os gestos.
Os meneios.
Fico com o instinto parado.
Sem reacção.
De um arrojo q.b..
Engrenamento de uma qualquer coisa a puxar para o confortável.
É como um ‘cafoné’.
É.
É isso é.
Esta lua é como um ‘cafoné’.
Daqueles que nos lembramos sempre. Que ficam sempre.
Que nos sentimos sempre.
Nós.
Como se os caracteres do meu raciocínio não se importassem com nada.
E os sons de todas as paixões percebessem tudo.
Sem precedentes.
Nem antecedentes.
Assim. Apenas. Silêncio.

quinta-feira, julho 02, 2009

Lobachevskii


Escuta-me.
O meu raciocínio anda pálido.
Ténue.
Débil.
Extremamente débil.
Diria até. Franzino.
Está estrafegado.
Asfixiado.
E.s.t.r.a.n.g.u.l.a.d.o.
Pelo desejo.
Imagina a Geometria de Euclides.
Aquela cuja duas linhas paralelas jamais se intersectam.
Agora imagina a Geometria de Lobachevskii.
Aquela cuja duas linhas paralelas se encontram no infinito.
Ora, pois.
É assim o esmaecimento do meu raciocínio.
Paralelo na razão.
E.
Intersecto no desejo.
Percebeste?
Ainda bem que não.
É que a ‘desinquietude’ não se entende.
Saboreia-se.

segunda-feira, junho 29, 2009

B.

[ B. , 28 de Junho de 2009 , FF]

Gosto de andar de comboio.
Gosto das estações antigas, dos seus cheiros, dos azulejos, do relógio provecto que muitas das vezes está inactivo.
Como uma antítese entre o movimento e a espera.
Estações são movimentos, linhas que se cruzam.
Estações são nostalgias. São saudades. Ah saudades.
Seres humanos de todos as maneiras e feitios.
Estações também são silêncios, partilhas, encontros, solidão.
É.
Gosto mesmo das estações.
E também dos apeadeiros.
Daqueles que nem terra, têm.
Daqueles que um casal de velhotes toma conta da cancela, e ás vezes o movimento é tão pouco que usam a cancela para estender a roupa dos seus pensamentos passados. Dos seus sonhos. Dos movimentos perpétuos de tantos e tantos passageiros que por ali passaram. E tantos eles sem parar.
Tantos deles, nem sequer repararam na cancela partida pela força do estendal.
Já conheci algumas pessoas verdadeiramente bonitas nos comboios.
Pessoas que valem a pena. Pessoas que falam com a pessoa ao lado, que desabafam, que choram, que abraçam, sem medo, porque sabem que a pessoa sai numa qualquer próxima estação. Porque sabem que não vai haver cobranças, ressentimentos.
Ontem a caminho da Régua, no banco ao lado do meu, estava uma senhora, tinha os cabelos branquinhos, vestida de azul, massajava os pés.
Olho azul, pele branquinha, pensava que era Inglesa. Afinal era Belga.
Meus senhores, se há viagens que valem a pena por uma brisa de vento, esta valeu com toda a certeza a pena pela lição de vida desta Senhora.
Chamemos-lhe B.
B. tem 80 anos, uma força de vida extraordinária.
B. viaja à cerca de um mês por Portugal, e completamente sozinha. 80 anos meus amigos, 80 anos.
Prosseguindo.
Passou por Lisboa, Sintra, Ericeira, Mafra, Óbidos, Guimarães, Tomar, Porto, Braga .. e por aí a fora.
B. conhece toda a Europa, disse-me que só faltava conhecer Portugal. E veio. E gostou.
Quando questionada pela gastronomia nacional, B. lambia os beiços ao falar de um Bacalhau no Forno lá para os lados de Braga.
B. falava com a alma toda, com os olhos todos, com as mãos todas.
As rugas tomavam uma qualquer vida para além da dela, que não a dela.
B. trabalhava numa orquestra, na orquestra de Bruxelas.
Foi a carga dos trabalhos para eu entender no meu inglês de 1 tostão, que B. não foi música, mas sim, organizava os concertos, os espectáculos, os sons pelos palcos Belgas.
B. adorou o nosso vinho, os nossos sabores, a nosso gentileza lusitana.
B. não gostou assim tanto da organização turística do Porto, segundo ela a cidade não trata bem o turista, não está organizada para o turismo, e sentiu-se muito mal por ser desprezada. Ela nem sequer colocou a hipótese de ser idosa, ou de pensar que essa ausência de afogo fosse pelos seus cabelos brancos.
Para B. meia dúzia de pessoas não fazem um povo.
B. leva os Portugueses no coração. Segundo ela são gentis e de sorriso fácil.
No fim do dia, B. veio junto de mim, pegou nas minhas mãos e disse-me: “ Tudo o que fizeres na vida, faz de coração, senão não vale a pena o fazeres.”
Pegou na mochila, e foi-se embora.
Não sei o nome de B.
E B. não sabe o meu nome.
Mas, sabemos a retina de uma da outra. E é isso que fica.
Estações são movimentos, linhas que se cruzam.
Estações são nostalgias. São saudades. Ah saudades.
Seres humanos de todos as maneiras e feitios.
Estações também são silêncios, partilhas, encontros, solidão.
É.
Gosto mesmo das estações.

segunda-feira, junho 22, 2009

Canela

Fui uma vez ao psicólogo.
Era uma senhora. Tinha os seus trinta e cinco anos, ou até menos.
Eu tinha vinte. Lembro-me bem desse dia, faz estes dias nove anos.
Nunca gostei muito de psicólogos, sempre achei que eles tinham um discurso previamente adestrado, preparado, ensaiado.
Como se uma pessoa entrasse no consultório, eles olhavam e pensavam “ É pah este tipo faz-me lembrar a tese daquele meu colega da página seis.”
Sei lá, sempre me fez arrepios, pensar que para eles nós éramos mais uma página, uns coitados sei eira nem beira ‘almal’.
Aquelas retóricas baratas, aquele jogo dissimulado.. eu sei que é a função deles, e hoje tenho outra perspectiva sobre tal ciência.
Faz por estes dias nove anos, entrei numa pastelaria lá para os lados dos Restauradores, estava a chover, abriguei-me na tal pastelaria, e para não parecer mal, consumi qualquer coisa, um café e um pastel de nata. Sentei-me.
Na mesa ao lado estavam três senhores, pelos seus cinquenta e picos anos, engravatados, fumavam um charuto e bebiam conhaque. Um deles é um dos maiores psicólogos da nossa praça.
A conversa girava em torno de um dos doentes, o dito doente procurou o serviço de um desses senhores porque suspeitava que a mulher tinha um amante.
O amante era um dos senhores da tal mesa. Coincidências, ou talvez não.
Se eu pouco acreditava na psicologia, nesse dia, senti que eu não podia tirar conclusões precipitadas, um profissional não é o espelho de toda uma ciência.
Ainda para mais, nessa semana tinha exame de psicologia educacional, e pouco ou nada tinha estudado.
Segui para a faculdade, faltei ás aulas e fui à psicóloga da Universidade.
Eu tinha que estudar para o exame, e tinha que sentir alguma veracidade no que lia.
Entrei no gabinete, a senhora doutora perguntou-me qual era o meu número de aluno. Atenda-se, perguntou-me o número de aluno, e não o meu nome.
Perguntou sobre o que eu queria falar, e eu falei.
Falei, falei, falei, durante mais de uma hora. E a senhora, calada.
Pelo meio até chorei.
No fim ela olha para o relógio e diz, que o tempo acabou.
Eu que era uma novata nestas lides psicológicas, perguntei-lhe porque é que ela nunca falou, nem olhou para mim, nem perguntou o meu nome.
Ela não respondeu.
Perguntei-lhe quando eu podia voltar.
Aí, e olhando-me nos olhos, disse-me para não voltar.
E eu saí. E não voltei.
E nunca mais fui a nenhum psicólogo.
Hoje quando penso nesse dia, lembro-me essencialmente da chuva, e de ter chorado. Da conversa dos tais doutores na pastelaria, da senhora que vendia rosas brancas na Rua Augusta, do cheiro do Tejo, da mochila verde com um poema escrito a tinta da china, da minha roupa negra de luto.
No final dessa semana tive o tal Exame de psicologia educacional, passei. Mas, lembro-me bem o que lá escrevi. Se o tempo voltasse atrás talvez não escrevesse o mesmo. Mas, sentiria cada linha com mais entranhas. Porque chove mais, e os pastéis de nata estão com canela.

sexta-feira, junho 19, 2009

Morfologias


Sou então obrigada a pensar morfologicamente sobre a oralidade.
Como se a caligrafia só por si
não tomasse a voz rouca dos meus dedos.
Os músculos das minhas exclamações.
As vírgulas do meu sangue.
O ponto final dos meus ossos.
Sou então obrigada a renunciar esse tipo de leis.
Se é que me permites, digo-me a mim sem demoras,
que de músculos,
vírgulas
e
pontos finais
está o mundo lotado.
Agora de exclamações…
Estou rouca.
Prefiro o sentir morfologicamente.
A puxar para a anatomia descritiva.
Sem coacções.
Nem delongas.
Farta de conjecturas. De saltos altos.
É que eu, ando descalça.

segunda-feira, junho 15, 2009

Escrevo-te do telhado.
Sob telhas húmidas.
Beirados meio que tresloucados.
Escrevo-te hoje. Porque não posso esperar para amanhã.
Hoje não há Lua.
Pelo menos daqui não a vejo.
Está nevoeiro.
Um leve nevoeiro.
Ainda se vê a Serra.
Cheira a Alecrim.
Eucalipto.
Rosmaninho.
Ontem foi noite de Santo António.
Não houve fogueira.
Saltos.
Cantorias.
Ontem sussurraste delinquência.
Daquela que desinquieta até ás paredes do estômago.
Daquelas que definem todas as curvas dos lábios.
Em que cada fio de cabelo toma aquele sentido.
Do desejo.
Do pescoço.
Porque é no pescoço que todos os gemidos se concentram.
Em que apetece arrastar as mãos.
Cravar as unhas.
Arrancar a garganta.
Esticar a medula toda.
É delinquência, isto.
É criminalidade o que fazes comigo.
Agora cai uma chuva miudinha.
Deixei de ver a Serra.
.. E um dia destes arrisco-me a ir presa. De tanto nevoeiro que se faz sentir.

sábado, junho 13, 2009

terça-feira, junho 09, 2009

#367

Antro de desejos.
Não fui feita para inacabados.
Para equações mal resolvidas.
Teoremas sem demonstrações.
Pátio de renuncias.
Idas sem voltas.
Bocejos sem sonos.
Gozos sem gemidos.
Pretéritos passados.
Vestido sem decote.
Gelo.
A lua está cheia.
O vento é de Limão.
Cheira a Sal.
Noite. Madrugada.
Gelo.
Não peques por mim.
Já fui proibida de ir à missa.
Perdi a sanidade na confissão.
Esqueci a letra do Padre Nosso.
Gelo.
Peca.
Peca antes pelo desejo.
Dos gozos.
Gemidos.
Decotes.
Salivas.
Línguas.
Peca.
Mas, Peca Bem.
É que no céu não conhecemos ninguém.
E no inferno mora a reinação.
Photo by drina seq

quarta-feira, junho 03, 2009

Raivosa

O meu saborear não é estético.
Nem tão pouco harmonioso.
Melodioso.
Ás vezes consigo transbordar.
Em veemência.
Extrema violência.
Dizem que pensar não dói.
Que o que padece é o agir.
Ah não que não dói.
Dói a valer.
Vai do tornozelo à raiz do cabelo.
É como um bater de porta.
Mas, daquele bater de punho.
Pancadas secas.
Na madeira.
Estremece tudo.
Vibra o organismo.
Os pulmões.
O pescoço.
O maxilar.
Ás vezes o que eu queria mesmo era ser desdentada.
Perder o tal dente do juízo.
E morder todas as emoções.
Com ardência.
Intensidade.
Fogosidade.
Com raiva.
Como os cães cheios de saliva.
Impacientes pela prisão do quintal.
É.
Um dia destes atrevo-me a perder o dente do juízo.
E parto por aí a morder.
A agonia.

sábado, maio 30, 2009

Photo by Nocas
Há uma veia, que vai desde o cérebro até à aorta.
Tem um nome esquisito.
Como esquisito é o sangue que corre agora.

Estou parada.
Escondida.
E com a Alma a Leilão.
Licitaste?

sexta-feira, maio 29, 2009

Pedaços de [Entre]Linhas

Porque tantas e tantas vezes faltam-me as palavras.
As sílabas. Os versos. As linhas.
Porque ás vezes é tal a sofreguidão de pensamentos que o teclado não acompanha as veias, os batimentos.. o tic tac tic.
Porque encontrei no 'clicar' um pedaço daquilo que fica por escrever... nas Entrelinhas.

Entrelinhas .....

http://olhares.aeiou.pt/desinquieta
http://paraladomiocardio.blogspot.com/

quarta-feira, maio 27, 2009

Parir

Estou grávida.
Rebentaram-me as águas da Loucura.
Corto o Cordão Umbilical.
Pela Demência.
Estou grávida.
O preservativo da alienação estava roto.
Esburacado.
Completamente esfarrapado.
Pela intrivialidade.
A palavra. Não existe.
Passa a existir.
Estou grávida.
Apetece-me expelir.
Imprevistos.
Acidentais.
Arrotar nervos.
Ataques de nervos.
Cheios de Sal.
Estou grávida.
Apetece-me parir.
Mas, hoje não.
Estou demasiadamente.
Trivial.
E a maternidade está fechada
.

terça-feira, maio 26, 2009

Diagnóstico

Estou dorida.
Tenho a Alma dorida.
Os ossos do cérebro chiam.
Realidades paralelas que se ligam algures no organismo.
Qualquer diagnóstico que seja feito será fraudulento.
Infiel.
Esta dormência não vem em livros.
Em receitas. Cardápios.
Corredores. Campos.
Os olhos pesam.
Outro cigarro.
E aquelas moléculas entre a aorta e o miocárdio que não param de rodopiar.
Chiam. Chiam.
Estores. Às vezes era só preciso isso, estores.
Estores. Fechados. Abertos. Entreabertos.
De varandas.
Podia até me mentalizar com a janela.
Vento. Preciso de Vento.
De ir à varanda. E sentir.
O cheiro. O vento. A água.
Folhas.
Que caem. Que vêem.
Perdidas. Pelo Norte. Sul. Este. Oeste.
Rodopiam pela bússola toda.
E tem que ser toda.
Por todos os sentidos.
Porque de metades não se faz os dias.
A alma. As ideias.
Ahhhhh as ideias.
Essas são as que chiam mais.
Chiam Chiam Chiam
E tornam a chiar.
Tenho a Alma dorida.
Mais dorida que pé de atleta em caminhos de cascalho.
Doem-me.
Doem-me as moléculas.
Dos joelhos.
Quando cruzo sentimentos, com pensamentos.
Essas moléculas até estalam.
Nos intermitentes.
Os olhos pesam.
Um dia destes adormeço.
O pensamento.
Vento.
Preciso de Vento.
De ir à varanda.
Rodopiar a bússola toda.

segunda-feira, maio 25, 2009

Hoje eu não me recomendo....

Porque se há coisas que transportam o ser humano, uma delas é a música...
Hoje é isto...
... eu não me recomendo.



sexta-feira, maio 22, 2009

#360

AVISO

O trajecto que se segue
é da inteira responsabilidade
dos intervenientes.

Assina: Os espasmos.

domingo, maio 17, 2009

'Movimentos Perpétuos'

A propósito disto, e de um dos temas ter sido 'Movimentos Perpétuos' ... saiu isto, no chão da Praça da Figueira.

Momentos singulares.
Ela entrou em palco.
Ele timidamente esperava-a, ao canto das escadas.
Pé ante pé.
Cada degrau um tom.
Ora agudo. Ora grave.
E ele sorria com as palmas da mão
E lá vinha ela.
De saia rodada.
Encarnada.
E ele no fundo.
Era o rosto do confronto.
Das emoções.
Dos tons esverdeados daquela incerteza.
E o canto do palco ficou sozinho.
Percorreu cada tábua.
Ouviu-se o ranger da madeira.
E ela nos degraus.
Ora agudo. Ora grave.
O palco só tinha uma parede.
De uma tonalidade meia com tudo.
Não era amarelo, nem laranja.
Era de um certo tom esverdeado.
Sabem aquele verde de início de Verão?
A cor de que falo era assim.
Não sei se chegaram a dançar juntos.
Fecharam a cortina antes do final.
O palco era aberto.
No meio do Largo Camões.
Com Pessoa na Brasileira.
E o Adamastor a cheirar a Paixão.
Não era Tango.
Mas, bem que podia ter sido.
Dançamos?

domingo, maio 10, 2009

Pulmões


Tenho falta de ar.
Uma imensa falta de AR.
Vastíssima, até.
Não.
Não, é asma.
É mesmo falta de AR.
Não consigo respirar.
Esbracejar.
Gesticular.
Acenar.
É uma coisa que vem cá de dentro.
Intensa.
Que dói.
Mas, dói a valer.
Padece.
Penaliza-me mais que os Pulmões.
Parece que a minha Alma sai pelos Bofes.
Assim, meia endrominada dos sentidos.
Desalenta.
Eu não tenho inteligência para passar para o papel, o quanto isso me aflige.
O quanto isso me condiciona.
Não consigo respirar.
Meto as mãos ali.
Meto o olhar acolá.
Tento encaixar o cérebro em algum lado.
O coração em lado nenhum.
Mas, não.
Não consigo o antídoto.
Falta-me atmosfera.
Falta-me passos. Caminhos. Sentidos. Gestos. Abraços.
Sei lá o que me falta.
Falta-me Sal.
Falta-me Pimenta.
Guisados. Cozidos. E. Fritos.
Falta-me isso tudo, numa folha de Outono, embrulhada em espuma do Mar.
É isso que me falta.
Espuma do Mar.
Com um intenso salgado.
Vento agreste.
Daqueles em que dás um passo para trás de espanto.
Falta-me o imprevisto.
O ficar sem saber o que dizer.
Falta-me o arrepio.
A pele. O olhar. A retina.
A casca da insanidade.
Aquela que nem dá tempo para pensar.
È só sentir tudo.
De todas os feitios.
Não me venham com tretas.
È que nem se atrevam a isso.
Existem coisas que não tem explicação.
E que chegam só por isso.
E que valem só por isso.
Para simplesmente.
Nos faltar o AR.
A voz.
Os fragmentos de tudo o que fica.
O que ficou.
Por dizer.

Acato.

quinta-feira, maio 07, 2009

Mário, 7 anos, 1.ª Classe

- Madrinha, hoje não tenho trabalhos de casa.
- Ai não??? Então porquê?
- Fui a um passeio da escola, à Lourinhã. A uma exposição de Legos.
- :) E gostaste?
- Gostei, tinha lá a Torre Eiffel só com peças pequenas e ás cores. De todas as cores. Olha, tu é que podias lá levar a tua turma.
- Mas, tótó os meus meninos já são muito grandes, eles já não iam gostar disso.
- Não faz mal, metes eles bébés só por esse bocadinho.
- Ai é?? E então como é que eu faço isso?
- Sei lá eu, tu é que és a professora...
Encolheu os ombros e saiu.

É por estas e por outras, que eu acho sinceramente que as crianças são do melhor que há :)

Paço de Arcos, 07 de Maio de 2009, 19h17m