[ B. , 28 de Junho de 2009 , FF]
Gosto de andar de comboio.
Gosto das estações antigas, dos seus cheiros, dos azulejos, do relógio provecto que muitas das vezes está inactivo.
Como uma antítese entre o movimento e a espera.
Estações são movimentos, linhas que se cruzam.
Estações são nostalgias. São saudades. Ah saudades.
Seres humanos de todos as maneiras e feitios.
Estações também são silêncios, partilhas, encontros, solidão.
É.
Gosto mesmo das estações.
E também dos apeadeiros.
Daqueles que nem terra, têm.
Daqueles que um casal de velhotes toma conta da cancela, e ás vezes o movimento é tão pouco que usam a cancela para estender a roupa dos seus pensamentos passados. Dos seus sonhos. Dos movimentos perpétuos de tantos e tantos passageiros que por ali passaram. E tantos eles sem parar.
Tantos deles, nem sequer repararam na cancela partida pela força do estendal.
Já conheci algumas pessoas verdadeiramente bonitas nos comboios.
Pessoas que valem a pena. Pessoas que falam com a pessoa ao lado, que desabafam, que choram, que abraçam, sem medo, porque sabem que a pessoa sai numa qualquer próxima estação. Porque sabem que não vai haver cobranças, ressentimentos.
Ontem a caminho da Régua, no banco ao lado do meu, estava uma senhora, tinha os cabelos branquinhos, vestida de azul, massajava os pés.
Olho azul, pele branquinha, pensava que era Inglesa. Afinal era Belga.
Meus senhores, se há viagens que valem a pena por uma brisa de vento, esta valeu com toda a certeza a pena pela lição de vida desta Senhora.
Chamemos-lhe B.
B. tem 80 anos, uma força de vida extraordinária.
B. viaja à cerca de um mês por Portugal, e completamente sozinha. 80 anos meus amigos, 80 anos.
Prosseguindo.
Passou por Lisboa, Sintra, Ericeira, Mafra, Óbidos, Guimarães, Tomar, Porto, Braga .. e por aí a fora.
B. conhece toda a Europa, disse-me que só faltava conhecer Portugal. E veio. E gostou.
Quando questionada pela gastronomia nacional, B. lambia os beiços ao falar de um Bacalhau no Forno lá para os lados de Braga.
B. falava com a alma toda, com os olhos todos, com as mãos todas.
As rugas tomavam uma qualquer vida para além da dela, que não a dela.
B. trabalhava numa orquestra, na orquestra de Bruxelas.
Foi a carga dos trabalhos para eu entender no meu inglês de 1 tostão, que B. não foi música, mas sim, organizava os concertos, os espectáculos, os sons pelos palcos Belgas.
B. adorou o nosso vinho, os nossos sabores, a nosso gentileza lusitana.
B. não gostou assim tanto da organização turística do Porto, segundo ela a cidade não trata bem o turista, não está organizada para o turismo, e sentiu-se muito mal por ser desprezada. Ela nem sequer colocou a hipótese de ser idosa, ou de pensar que essa ausência de afogo fosse pelos seus cabelos brancos.
Para B. meia dúzia de pessoas não fazem um povo.
B. leva os Portugueses no coração. Segundo ela são gentis e de sorriso fácil.
No fim do dia, B. veio junto de mim, pegou nas minhas mãos e disse-me: “ Tudo o que fizeres na vida, faz de coração, senão não vale a pena o fazeres.”
Pegou na mochila, e foi-se embora.
Não sei o nome de B.
E B. não sabe o meu nome.
Mas, sabemos a retina de uma da outra. E é isso que fica.
Estações são movimentos, linhas que se cruzam.
Estações são nostalgias. São saudades. Ah saudades.
Seres humanos de todos as maneiras e feitios.
Estações também são silêncios, partilhas, encontros, solidão.
É.
Gosto mesmo das estações.