terça-feira, setembro 29, 2009

Joel



Hoje sentados num banco. No ‘recreio’.
Chamemos-lhe Joel.
Sentou-se. E brincava com as pedras de cascalho. Sempre com os olhos no chão.
- Estás triste Joel?
[Largo silêncio]
- Stora… a vida é muito curta.
- Não digas isso, então tu tens ainda tantos dias para viver...
- Sim eu sei, tenho quinze anos. Faço dezasseis em Outubro. Dia vinte e cinco. E este ano ‘calha’ a um domingo.
- Então e tu, com essa idade, porquê é que dizes com essa tristeza que a vida é curta?
- Porque as pessoas não são verdadeiras para com o seu interior, nem para os outros.
[Silêncio]
- Sim, tens razão… mas não te podes deixar ir abaixo, Durante toda a tua vida, vais sempre encontrar pessoas que não são verdadeiras. Mas isso ajuda-nos a crescer e a construirmo-nos enquanto seres humanos. Não podes é deixar de sonhar por causa disso. Nem deixares nunca de ser verdadeiro para contigo e para com os outros.
- Mas Stora, eu não quero aturar com essas pessoas toda a vida……
- Nem eu Joel. Nem eu. E muitas vezes também fico muito triste com isso. Mas tento sempre sonhar e sorrir. Olha Joel, tu tens sonhos? Qual é o teu maior sonho?
- O maior dos maiores de todos os maiores?
- Sim! O maior de todos! Qual é o teu?
- O meu maior sonho de todos os sonhos não tem nada a ver com dinheiro. O meu sonho é ser guarda-florestal.
- Para estares em comunhão com a Natureza, e sentires tudo o que é verdadeiro?
- Sim! Para sentir os passarinhos, e o verde, e a vida. Porque a vida sem coisas verdadeiras é uma vida muito curta.
- Tens razão Joel, muito curta mesmo. Por isso é que os sonhos são grandes, imensos e azuis e verdes. Como os teus. Para que vidas como a minha, façam sentido, por existirem pessoas como tu.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Silêncio



Esborrata-me os sentidos do prazer.
Contenta-me o espírito.
Inala saliva. Pudor. Timidez.
Imagina-te sentado.
Entre pernas. No colo.
Revela-te.
Revela-me.
Aloja todos os pedaços, retalhos, apontamentos.
Que ficaram por dizer.
Di-los agora.
Sussurra-os. Grita. Murmura.
Ao meu ouvido.
Olho no olho.
Pele com pele.
Agarra-me.
No silêncio. Sem distâncias.
Escreve na minha pele a saudade.
Dita nos lábios o desejo.
Sem pressas.
Que seja madrugada. Mesmo sendo de manhã.
De pedras, janelas, paredes, cantos esquecidos.
Loucura, dizem as palavras?
Silêncio.
.
E.
.
Olho para ti.
.
.
Revela-me
.

terça-feira, setembro 22, 2009

'When in the course of human events...'



Experimentamos certezas.
Cavamos as incertezas.
E salivamos.
Salivamos pela garra.
De fantasias. Alucinadas.
Gememos de ânsia.
E os dedos que se abarquem em suor.
Prova de cada gota.
Uma por uma.
A escorrer pelo pescoço abaixo.
Alimento desenfreado.
Atrevido.
Desejo libertino este,
Que se instalou entre a pele e os ossos.
E os estalos cada vez maiores.
Emancipam-se os desejos.
Anarquia total de gemidos.
E já vai pele, agarrada ás unhas.
E os dedos encharcados de retalhos de alma.
Universos. Que já não são paralelos.
Perpendiculares suculentas.
De ti. De mim. De nós.
Extraviam-se os medos.
Os passados. Daqueles dias.
É madrugada. Chove nos lençóis.
Até amanhã.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Endoida-se


É preciso endoidecer para amanhar os sentidos.
A sociedade assim o exige.
Não concede outra forma de esborratar os impossíveis.
As irregularidades. Dizem.
Designs de odores que não se querem livres.
E para isso oculta-se tudo. Até as vontades.
E passam-se assim os dias.
Abafados. Humilhados.
Porque dizem confortavelmente sentados no sofá da razão, que a vida se quer cinzenta.
Sem rasgos de loucuras, de vermelhos. A escorrer pelas paredes abaixo.
Indecentes espasmos de prazer, que só a demência sabe ter.
Desatam-se os neurónios dos seus afazeres previamente fabricados.
Desfragmentam-se utopias. E aí. Endoida-se de vez.
E mandamos todos os engravatados se enforcarem no seu próprio nó.
Exige-se o impossível. Porque o possível não é demente.
Não é louco. Não é cego. Não saboreia. Não tem sal.
Prefiro a loucura.
….. a não amanhar os meus sentidos.

Desvias?

terça-feira, setembro 15, 2009

Botão


Há paredes que não devem ser pintadas.
Fica o tijolo e o cimento.
Tudo em bruto.
Como a Alma que ficou lá atrás.
E o medo a colocar a perna sobre o receio.
Aconchegando-lhe um quê. Aquele quê. Sem porquês.
Não existem estradas ridículas.
Existem sim desvios que eram prescindíveis.
Mas necessários.
Como mentol dentro de chocolate.
E doce de pêra na ponta da língua.

domingo, setembro 13, 2009

Prazeres Saudáveis



Existem pontos.
E depois existem os i’s.
E depois há as madrugadas.
Aquelas.
Em que metemos os pontos nos i’s.
E ficamos assim.
Sôfregos.
Insaciáveis.
Completamente desejosos de mais grafias.
Ortografias.
De uma folha em branco.
Sem linhas. Apenas por desenhar.
Tantos pontos. E ainda mais i’s.
Os desejos podem ser saudáveis.
É. Podem.
Mas são de um carácter profundamente insatisfeito.

Rebentou-me o cérebro.
.
Tu dizes que não existem pecados.
Eu sussurro que .... Nem semáforos para os prazeres.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Almofada[s]


É distracção.
Recriminação absurda da racionalização.
Malandros os desejos.
Palermas os instintos.
Ferve-se a perturbação.
Dos antebraços.
Pasmados.
Hóspedes dos anseios.
Fosse compreender a tua senilidade.
Aquela que se diz de saudade desequilibrada, aflitiva, desgraçada cheia de graça.
E isto a que chamam de medos, seriam restos.
De tudo o que se tem ainda por sentir.
Diz a almofada para o lençol.

segunda-feira, setembro 07, 2009

15 graus


Lá em cima onde eu só moro ás vezes, cheira a alecrim.
Quando se sobe a quinze graus tem um eucalipto.
Suspenso no ar. Com um ar tão frágil.
Como frágeis são os sonhos.
Fantasias. Quimeras.
Sempre me lembro daquele eucalipto.
Acho que cresceu comigo.
E com os meus sonhos.
E tempestades.
E ele sempre ali.
Suspenso.
Como que interrompido pelo tempo.
Pelas horas. Entardeceres.
Pelos azuis daquele céu de terra molhada.
Ás vezes parece que está a chorar.
Pelo horizonte. E lá ao longe o Oceano.
Como que um agarrar de cintura.
Na floresta.
E eu fico ali a olhá-lo.
Como se cada folha fosse um pensamento.
E os ramos, veias de um tronco que de tão franzino se torna forte.
Porque sonhar é dos fortes.
Porque podemos perder um pensamento.
Mas um sonho… esse não se pode perder.
Agarra-se à terra. Com as raízes ali entranhadas.
Que de tão penetradas chega a doer.
Infiltradas.
E ele ali suspenso.
Ás vezes calado.
E quando à tarde, mas mesmo à tardinha, sopra o vento.
Ele murmura palavras.
Porque as palavras são assim. Palavras.
E as palavras são tão importantes como as pedras.
Têm vida. Sangue. Sentimento.
Como aquele eucalipto.
Lá em cima. Onde tantas vezes eu habito.
Suspenso no ar.
E se olharmos com atenção… ás vezes o ramo direito toca o horizonte.
Porque sonhar é dos fortes.
Como fortes são as árvores. A terra está molhada.
E se sentirmos à tardinha, ainda vemos os beijos.
Ali. Bem ali. Onde a Serra nem acaba nem começa.
Apenas ali. Suspensos.

sábado, setembro 05, 2009

Alfarrabistas


Há pessoas que deveriam vir com prefácios.
Em vez de índices desenganados.
E completamente dissuadidos.
Há pessoas que nem sequer deveriam ser livro.
Porque existem livros que influenciam toda uma biblioteca.
E bibliotecas que nem sequer deveriam ser bibliotecas.
Felizes dos analfabetos.
Que se soubessem destas bibliotecas vomitariam sílabas sem letras.
E vocábulos sem ajuntamentos.
Soubesse eu o que é uma dieta de pensamentos e fosse analfabeta.
E não sentiria isto a que chamam de desalento.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Baunilha... [porque há certas lágrimas assim]


Há voltas que a vida dá.
Que parecem meia volta.
De metade de uma esfera sem diâmetro.
E valem por uma volta inteira,
Que de meia vida nada têm.
E parece que arrancam o coração do peito,
E o sangue a escorrer para o soalho de cascalho,
Perdido de veias,
Entre a multidão.
...
E ele respondeu:
"Isso dos 30.... aos 30 perdi eu tudo,
tive de começar a minha vida de novo,
e aqui ando, ainda a recuperar.
Só tenho livros, umas velas, umas plantas.....e tu."

terça-feira, setembro 01, 2009

Alma Adentro


Se a minha Alma fosse por aí adentro.
Desalmadamente por aí adentro.
Sem paragens de mercúrios.
Sem sentidos de pensamentos.
Ai se ela fosse por aí adentro.
Sem traços de passados.
E medos de futuros.
E pousasse assim.
Devagar no soalho da tua mão.
De palmas em concha.
Com cheiros de amoras.
Ai se ela fosse. Assim. Por aí adentro.
Frágil com alicerces de veias.
Desalmadamente por aí adentro.
Fugaz. Vermelha. Viva.
Aos saltos por aí adentro.
Absorvida pelo desejo.
De te encontrar entre os meus dedos.
E assim. Só assim.
Sossegar a pele.
Ai se ela fosse.
Desalmadamente tua.

Por aí adentro.