terça-feira, janeiro 29, 2013

Senhores Doutores



Carta a todos os fidalgos que mandam e mandaram, e que de certa forma continuam a mandar, nesta vossa, que deveria ser nossa nação.

Caríssimos,

Falemos de recordações, falemos da infância. O meu avó tinha a segunda classe, se tanto. Descascava pêssegos como ninguém. No verão, após o almoço, ia até ao pomar e trazia-me o melhor pêssego da árvore, pegava na navalha que religiosamente colocava todos os dias no bolso das calças, no outro bolso tinha um lenço, daqueles de caris...ma. Do tempo.
E enquanto descascava o pêssego, contava-me da importância de nós próprios sabermos descascar um pêssego, assim como de o plantar. E cuidar. É como aquela história, é mais importante ensinar a pescar, do que dar o peixe.
O meu avô ensinou-me entre outras coisas, a importância do trabalho, da humildade, e do aprender a fazer. De lutar sem passar por cima dos seres-humanos.
E vejam vocês lá bem. Que o António não completou a instrução primária. Não é magnífico?
Vocês que completaram a instrução primária, que fizeram o ensino básico e secundário. Foram para a universidade tirar Doutoramentos e isto e mais aquilo, e não aprenderam o respeito, a humildade, o civismo.
E depois com uma cara de pau, ainda exigem serem tratados por Senhores Doutores.
Doutores há nos hospitais, e vocês deviam era trabalhar no ferro velho. Tamanha é a lata com que andam para aí a existir dia após dia. Sim, existir. Porque isso meus amigos, não é viver. É limitarmo-nos a existir.
Como é que vocês podem mandar num país, quando não conhecem a realidade do país, quando não sentem o povo no seu conjunto como sendo cada cidadão um ser humano, e não um número. Isto é como tudo, um patrão não pode descer as escadas do escritório e ver o que se passa com os empregados só na altura de exigir horas extras. Quem não sabe trabalhar, não pode mandar. Esta por acaso não foi o meu avô que me ensinou, foi o filho dele.
Politiquice é diferente de Política, e vocês, meus senhores o que fazem são politiquices. Uma semi-política a roçar o ridículo. A roçar. Atenção, não toca. Porque o ridículo, quando usado com um certo charme, até tem muita graça. E os senhores não têm gracinha nenhuma, lamento.
Mas não lamento por vocês. Lamento pelos adolescentes que têm de trabalhar à noite porque os pais têm quarenta anos e já estão velhos para trabalhar, lamento pelos idosos, que ou têm dinheiro para a comida ou para a farmácia. Lamento por todas as famílias que não têm euros para pagar as contas da água, da luz, da mercearia. Lamento por todos os seres humanos que são boas pessoas e que têm que passar por dificuldades. E pela mãe que vi hoje a chorar porque não tinha como colocar comida para os três filhos que tem em casa. Lamento por todos as mães deste país. Lamento todos os meses descontar para vocês andarem a fazer sabe-se lá o quê. É que se eu descontasse para haver melhor educação, melhores hospitais, cantinas socias…. Era uma coisa e até sorria ao dar-vos os euros. Agora isto?
De coração, e sem qualquer tipo de sarcasmo, lamento pelos vossos avôs. Porque aqui bem dentro do meu miocárdio, acredito que vocês também tiveram um avô que descascava pêssegos como ninguém, e que vos transmitiu certos valores. Aqueles que não se vêm. Mas valem tudo.
Falemos de infância. E de recordações. E daquela vez que o meu avô disse para nunca me apaixonar por um político. Que era a pior raça de homens que existe. O que ele se esqueceu de dizer, é que mesmo que não esteja apaixonada por nenhum político, que tinha que sustentar não sei quantos deles, todos os meses. 



Cumprimentos aqui da vossa namorada,


 Estranha pessoa esta